Coração tambor

26.2.15
O que eu ando para aqui a fazer é a guardar palavras no tambor em vez de as dizer e isto um dia vai acabar mal, muito mal, ou ainda pior, dizia um dia estes um senhor sentado no mundo e a baloiçar no tempo.
O tempo calou-se. Mas não parou. Continuou a baloiçar dentro do senhor e o senhor, sentado, continuou falar dentro do mundo.
O tempo respondeu mais tarde, já o senhor estava no futuro com o mundo. O senhor compreendeu o tempo, mais tarde, mas a tempo.  




Jezzabella

22.2.15
Num outro vídeo, desta mesma música, num mais antigo, de há dois anos, Ty Taylor, o cantor, diz, antes de o começar a fazer, a cantar, que esta música eleva, e põe num pedestal, as mulheres que compreendem os instintos primários. Gostaria de dizer algo mais, de ir ao encontro da força da imagem, mas...
Ando de mão caída, é a vida, de cabeça ocupada, pois é, a vida, há dias que não querem escrever, e eu, que priorizei assuntos realmente importantes, desiluminado, tenho encontrado nos discos a cadeira do psicólogo, o ombro do amigo, a fisioterapia da alma. Terra firme.


Violent Shiver

11.2.15
Cheguei por fim, com quase cinco anos de atraso, à empreitada de Samuel Riba - Riba para todo o mundo -  que publicou muitos dos grande escritores da sua época, assim nos põe perante as coisas Enrique Vila-Matas, em Dublinesca.
A esta hora, onze da noite, assisto ao mundo a partir da cama do meu filho, que está a adormecer do outro lado da parede, e o mundo por onde espreito, por mais que o tentem matar, amordaçar, degolar, calar, o mundo é, e vai continuar a ser, chão fértil de onde se pode escolher o bom, o mau e o melhor.  As letras e as pautas andam muito bem frequentadas. Falta é tempo para acudir a todo este talento. PS: não perder o rock que fecha este tiro na rede.



ROSCOE

11.2.15
À boleia da TSF, aproveitando uma das grandes vantagens dos automóveis e das viagens: a rádio. Onde o Porto acaba e Matosinhos começa, por baixo de um lugar redondo, de uma rotunda, em trânsito para uma estação de televisão, algures entre o campo do Leixões e a loja do Belmiro de Azevedo, tocava a playlist da Rita Redshoes. E a determinada altura, isto, uma música antiga que a princípio nem estava a ouvir, mas que depois sim, sim, ela veio do nada e como de faz a quem vem do nada, põe-se para aí virada a atenção.


O hotel foi embora

9.2.15

Tal como o livro dissera no sábado desta fotografia, era domingo de manhã cedo. Também era domingo de manhã cedo quando o João foi do sono ao fim do sono num salto, acordou como as ideias inesperadas acordam, depressa, muito depressa, abriu a boca antes de ter aberto os olhos, chamou pelo Ruca, pelo Ruca e pelo Ruca. Talvez tenha voltado a chamar pelo Ruca. Os nomes nem sempre estão por perto quando mais deles queremos saber. O Ruca surgiria ao pequeno-almoço, um pouco antes das lágrimas.

À tarde o João costuma dormir meia hora, uma hora, não mais do que isso. Hoje dormiu durante cento e vinte e seis quilómetros. Acordou em casa, na cozinha. Acordou devagarinho, olhou em volta, sem saber do que tinha acontecido  à sala nova e ao quartinho. O hotel foi embora filho, disse o pai, para não ter de falar da viagem e do sono.

To die in L.A.

7.2.15
A banda sonora desta noite, sexta, da semana, e sétima, do mês, sai de uma lista de actualizações do Spotify, bendito. O jantar tinha sido jantado, o café tomado, o livro estava a ser lido - "Os cães de Tessalónica", de Kjell Askildsen, nas primeiras páginas - e um filme haveria de ser visto a seguir. E não sendo a hora ainda uma hora tardia, ninguém mais estava acordado em casa, a não ser eu, muito capaz de fazer três culturas ao mesmo tempo: música, literatura e cinema. Que grande artista. Ou espectador de artes.



 

Condolence

6.2.15
A muito pouca gente interessará, talvez não interesse mesmo a ninguém, mas hoje acordei com uma dor de cabeça e um peso pesado no corpo, como se eu, na manhã desta sexta-feira, estivesse a acordar com o peso da segunda, da terça, da quarta e da quinta em cima de mim. Contudo, levantei-me. E assim, com quatro dias nos braços, a primeira coisa que fiz foi pegar no meu filho ao colo. Peguei nos dezanove meses que ele tem e juntei esses dezanove meses aos quatro dias que eu já tinha acumulado durante a noite, uma noite muito mal dormida, apesar de o sono me ter apagado durante umas boas oito horas.
O que aconteceu a seguir foi que os dezanove meses muito facilmente deitaram ao chão os quatro dias anteriores, e eu, mais leve, já só tinha uma dor de cabeça, que nessa altura passou a ser uma dor de cabeça bebé, finalmente acordei com deve ser. Mais tarde abri o Ípsilon, do Público, e conheci a história de Benjamin Clementine, que fora já contada pelo Guardian. A dor de cabeça foi embora.


Pedestrian at best

6.2.15
Num episódio de uma série sobre traição dois escritores falam sobre o medo da página. Eu tenho dias em que tenho. Eles também tinham. Nunca sabemos bem do que se trata, para além de uma evidente falta de vontade de lá ir. Haverá formas de o explicar melhor, mas parece-me convincente a metáfora do espelho, durante a qual um homem se põe ao espelho e o espelho não tem homem para mostrar ao homem o homem que o homem é.
Posta de parte esta convalescença espiritual o carro subiu ao Minho pela estrada mais rápida de lá ir. Foi todo o caminho percorrido em pouco mais de uma hora, pois a partida para Arcos de Valdevez tinha sido feita em Matosinhos. Por essa altura tinha acabado de cair no mundo uma música nova, que se partilha a seguir. 


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